Que há um
descompasso entre o econômico e o social no Brasil, todo mundo sabe, e
há muito. Mesmo assim, quando se consideram os dados desanimadores
relativos à saúde no País - como os que acabam de ser divulgados pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) -, o choque é grande, porque ele nos
faz perceber com maior nitidez o longo caminho que resta a percorrer
para pelo menos nos aproximarmos dos indicadores sociais dos países
desenvolvidos. Para isso não basta termos atingido a importante posição
de sexta ou sétima maior economia do mundo. E preciso muito mais.
Na última década houve progressos significativos, mas continuamos
abaixo da média mundial no que se refere aos gastos com saúde. Eles eram
de US$ 107 por pessoa em 2000 e foram multiplicados por quatro em dez
anos, chegando a US$ 466 em 2010.
A média mundial, neste último ano, era da US$ 549. A comparação com os
países ricos chega a ser chocante. Para citar apenas alguns exemplos, os
Estados Unidos gastam USS 3,7 mil per capita; a Holanda, US$ 4,8 mil; e
a Noruega, US$ 6,8 mil. E o paralelo desfavorável com países menos
ricos é desanimador. Na América Latina, perdemos para a Argentina (US$
869) e o Chile (US$ 607). E também para outros países, como a Grécia
que, apesar de mergulhada em profunda crise e virtualmente quebrada,
gasta seis vezes mais, por habitante, do que o Brasil.
A situação é semelhante no que se refere à porcentagem do orçamento
público destinado à saúde. Passamos de 4,1% em 2000 para 10,7%. Apesar
desse avanço, ficamos ainda abaixo da média mundial, de 15,1%.
Outros dados da Organização Mundial da Saúde sobre os quais o governo
deve refletir seriamente são os relativos à contribuição de cada um -
poder público e cidadãos - para os gastos com saúde, mais um terreno no
qual, mesmo com os progressos feitos, não nos saímos muito bem. Entre
2000 e 2010, a participação dos cidadãos caiu de 60% para 53% e,
consequentemente, a do governo aumentou de 40% para 47%. Mesmo assim,
estamos abaixo da média mundial de cobertura dos gastos por parte do
governo, que é de 56%. A taxa dos países emergentes tomados isoladamente
- 48% - é pouco maior que a nossa.
A rigor, o certo é dizer participação direta dos cidadãos nesses
gastos, por meio de planos de saúde, por exemplo, porque indiretamente o
conjunto da população colabora com o dinheiro de seus impostos. Por
isso, a tendência nos países desenvolvidos é reduzir a participação
direta dos cidadãos.
Para seguirmos o mesmo caminho, é preciso evidentemente que o governo aumente seus gastos na saúde pública,
ou seja, no Sistema Único de Saúde (SUS), que deve oferecer atendimento
gratuito e universal. E isso tem de ser feito, como todos sabem, com o
reajuste realista da tabela de procedimentos do SUS, que hoje cobre
somente 60% dos custos. Essa é uma situação insustentável. Para cobrir
os 40% restantes, as Santas Casas e os hospitais filantrópicos são
obrigados a se endividar. Mas isso tem um limite. Como eles fazem 45%
dos atendimentos do SUS, se começarem a fechar, o sistema público de
saúde entrará em colapso.
Como se vê, o governo cometeria um grave erro se, iludido com o
crescimento da clientela dos planos de saúde, que hoje é de 62 milhões
de brasileiros, se descuidasse do SUS. Investir no SUS é o caminho
indicado pelo bom exemplo dos sistemas de saúde montados pelos países
desenvolvidos.
O único dado positivo da Organização Mundial da Saúde sobre o Brasil é o número de médicos. O País tem 17,6 médicos
para cada 10 mil habitantes, acima da média mundial de 14 por 10 mil,
embora abaixo da Europa, que tem o dobro. Isto vem confirmar o que há
muito é conhecido, isto é, que o Brasil conta com médicos suficientes. O problema é que eles se distribuem mal pelo nosso imenso território.
Não é o caso, portanto, pelo menos no momento, de importar médicos portugueses, espanhóis ou cubanos, mas criar incentivos para os brasileiros se instalarem no interior.